Cinco atos de um mestre catireiro do Taboado
De camisa vermelha e sentado numa cadeira de fio à beira do portão da casa, Seu Anain aguarda a minha visita. A cena percebida assim que cheguei denota a pontualidade do mestre. “Durante o dia, o vermelho se destaca de uma maneira agradável. É uma cor chamativa nas apresentações, por isso sempre procuro usá-lo”, e a sua explicação sobre a camisa vermelha.
A sinopse
Aos 72 anos de idade, Anain Alves de Souza, desenvolve há 4 anos um grupo de catira no município de Aparecida do Taboado denominado Os Catireiros do Taboado. O catira ou cateretê é uma dança do folclore brasileiro, em que os pés e as mãos dão ritmo à música tocada para a dança típica do interior do país e praticada em algumas regiões dos Estados de Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Anain conta que os portugueses tiveram uma parcela de contribuição na propagação da dança, que acabou se tornando um divertimento para os escravos. Escritores dizem que a dança se originou com os índios e que padres compunham versos de catira para catequizá-los.
O mestre Anain acrescenta que a dança também tem sua base na cultura dos bandeirantes e peões de boiadeiros. “Os piões de boiadeiros viajavam pelas estradas conduzindo a boiada, nas pousadas à noite, cantavam o catira”. A dança é um misto de influências a qual é praticada desde 1960 por “Seu Anain”.
Nascido na cidade da Prata (MG), Anain foi criado no meio dessa dança praticada por seus familiares. “Em 1960, eu e meu irmão formamos uma dupla sertaneja, que por meio dela, tocávamos e dançávamos o catira pelo interior de São Paulo”. Em algumas apresentações hoje, ainda me lembro de meu irmão. Praticar o catira é um gosto e uma lembrança”.
Ao se mudar para Aparecida do Taboado (MS) Anain conheceu pessoas que também dançavam e teve a iniciativa de formar um grupo com a intenção de dar continuidade a essa prática. Além disso, passou a dar aulas nas escolas do município, engendrando novos integrantes ao Grupo principal e formando grupos femininos e mirins de catira.
O ensaio
Os ensaios do grupo “Os catireiros do Taboado” acontecem todos os sábados a partir das 7 horas na própria casa do mestre. Convidado por seu Anain para assistir a um ensaio, às 7: 30 ainda esperávamos os integrantes chegar. Primeiramente, chega a mais nova integrante, em seguida, o mais experiente e irmão de seu Anain, acompanhado da caçula do grupo. Os Catireiros do Taboado é formado por homens, mulheres, jovens e adultos.
Seu Anain ainda fez algumas ligações para os integrantes e teve como resposta algumas desculpas, que não foram capazes de estender, na varanda da casa do mestre, o tablado doado pelo prefeito da cidade.
“Os mais velhos vão se afastando e os jovens vão tomando o nosso lugar, e assim, essa cultura vai tendo continuidade”, comenta o mestre sobre a distinção etária existente no grupo. Anain procura passar aos jovens e as crianças a origem do catira, os estilos, e o comportamento de um catireiro. “ Às vezes, eles vem com mudanças e a gente acata desde que possam enquadrar nos costumes”.
Segundo o mestre, o estilo de dançar depende da região na qual se pratica. Os paulistas possuem uma coreografia mais ousada, rápida e variada. Já os mineiros têm uma coreografia pouco variada e mais pesada. “Você sente a força do pé mineiro. Aqui em Aparecida do Taboado, por terem muitos descendentes de mineiro, nossa dança é uma influência do catira de Minas Gerais”.
O espetáculo
“Nosso grupo de catira, formado por catireiros. Aqui tem matogrossense e tem mineiro. Unidos para defender o folclore brasileiro”
Anain puxa o rasqueado, e os 12 dançadores enfileirados um a frente do outro fazem um bate-pé, um bate-mão e dão seis pulos (escova). Ajudado pelo companheiro (segunda), Anain prossegue nos versos da viola alternadamente com a execução da escova pelos dançadores.
Em seguida, os dançadores, rodam uns atrás dos outros, da esquerda para a direita, batendo os pés e depois as mãos (Serra Acima). Feita a volta completa, os dançadores viram-se e se voltam para trás, realizando o que se denomina (Serra Abaixo), alternando o bate-pé e o bate-mão. O Catira encerra-se com o Recortado, no qual as fileiras trocam de lugar e assim também os dançadores.
“O bom catireiro tem que ter perseverança e vocação. Os passos devem ter estilo e casar com o ritmo do som da viola. Há casos em que a pessoa pede para entrar no grupo, mas na primeira dificuldade que encontra, desiste”, comenta o mestre.
O bastidor
No sábado seguinte, mais uma vez, eu, o mestre Anain e os mesmos dançadores do ensaio passado, esperávamos ao menos uma pessoa para que pudessem ensaiar. Uma ligação e mais uma desculpa. “Chega numa certa idade, que o jovem já está afinado, no entanto, eles priorizam outras atividades: faculdades, namoros e trabalhos. Vou ter que fazer uma seleção nas escolas para integrar o grupo”, conclui.
Parar de dançar o catira é algo que nunca fez parte dos planos de Seu Anain, mas confessa que já lhe aborreceu.
O epílogo
Anain Alves de Souza é convidado por vários municípios para lecionar aulas de catira e com o grupo “Os Catireiros do Taboado” conquistou o 1º lugar no 2º Salão de Turismo e Feira Internacional de Turismo de Mato Grosso do Sul.
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