Cultura | Produzido pelo Projeto Mídia & Ciência UEMS/Fundect | 12/03/2017 10h09

Pesquisa da UEMS revela período de escravidão no Bolsão MS

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Ao vasculhar documentos antigos, datados de 1838 a 1888, de um Cartório de Registros do município de Paranaíba o professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Alexandre Castro, encontrou notas, registros, procurações e escrituras relativas ao período da escravidão na região do Bolsão de Mato Grosso do Sul.

De acordo com o pesquisador, trata-se de uma história que começa a ter seu cotidiano revelado, depois de mais de 173 anos de obscurantismo. “A importância da presença da etnia negra nesta região ainda carece de ser contada. Há um aparente ‘esquecimento’ de seu papel na fundação e desenvolvimento da região, pois obras foram publicadas destacando profissionais, políticos e religiosos na sociedade, mas sem nenhuma menção ao papel da etnia negra e sua participação na criação e desenvolvimento do município”, ressaltou Alexandre Castro.

No trabalho foram analisados onze livros de Registro, totalizando 887 páginas de documentos, do período compreendido entre 22 de agosto de 1838 a 24 de março de 1888, abordando quarenta e nove anos e três meses de história do município.

Os registros cartorários apontam, na relação entre senhores e escravos a concessão de alforrias, as transações de compra e venda de escravos, até mesmo revogações de manumissões (alforria) em virtude de ingratidão alegadas pelos senhores, por parte do comportamento de alguns escravos.

“Foi vista uma completa ausência do papel da etnia negra na historiografia do município paranaibense e sua invisibilidade como atores sociais no desenvolvimento da região. O silêncio tem patrocinado esta exclusão de forma tão eficaz ao ponto de próprios alunos da Universidade (muitos são moradores do município) desconhecerem por completo a vigência do regime escravocrata na região durante os anos de 1838 a 1888”, acrescentou o professor.

Cotidiano

A presença negra já se faz sentir desde a fundação da Capitania de Mato Grosso. E grande parte dos negros escravizados utilizados nas mais diversas atividades da unidade pastoril era oriunda da região de Minas Gerais. Muitos deles foram trazidos também para o sul de Mato Grosso, sobretudo por ocasião do tráfico interno a partir de 1850. E assim como no restante do Brasil, durante o século XIX, as relações entre senhores e escravos foram marcadas ora por relações caracteristicamente domésticas, ora pautadas pela violência.

Alforria

Com destaque ao âmbito doméstico, constatou-se uma relação de submissão escravista que tinham a pretensão de durar vinte, trinta e cinco anos até a concessão da alforria. Segundo o trabalho, a primeira alforria a constar dos livros de Registros de Paranaíba é o Registro de uma Carta de Liberdade outorgada pela Senhora Anna Angelica de Freitas as suas três escravas: Joanna Crioula, Maria Bangula e Theresa Affricana, no dia dois de janeiro de 1841.



“Embora os motivos das alforrias ainda não possam ser devidamente esclarecidos, percebe-se que seu acesso se dava estritamente ao nível do ambiente doméstico, possibilitando o controle da mão de obra escrava. Mas, nem sempre tal exercício da autoridade senhorial foi obedecido pelos cativos”, notou o Castro.

Revogação da liberdade

A violência contra senhores proprietários era um recurso utilizado pelos escravos nas mais diversas regiões brasileiras onde a relações sociais foram mediadas pelo regime escravista. E nos Registros foram encontrados exemplos de violência que motivou a revogação da liberdade dos cativos. E percebeu-se nas análises que tanto a violência como a ingratidão funcionaram como “arranjos disciplinares” na tentativa de controlar os cativos.



Compra e venda

Nos levantamentos dos Registros cartoriais, a identificação do negro como propriedade, passível de ser comprado e vendido, foi encontrada em 153 compras e vendas de escravos, duas hipotecas, além de 10 compras e vendas de parte de escravos. O autor destaca também, que além dos institutos jurídicos da compra/venda e hipoteca, os cativos também podiam ser mercadoria na doação.

“A doação envolve, não somente uma escrava, bem como outros bens como forma de dote para o casamento, demonstrando a “coisificação” dos escravos sendo equiparados aos outros animais e demais bens de natureza imóvel. Assim, as transações comerciais envolvendo os escravos obedeciam regras da compra/venda do mercado. A valorização e o preço a ser comercializado eram especulados para racionalizar os ganhos daquele que porventura pretendia colocar seu escravo no comércio”, explicou.

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